sexta-feira, 3 de abril de 2015

O assunto que interessa

Houve uma comoção geral.

Todos os passantes, pararam de passar, pra olhar toda aquela movimentação.

O jornal dava a notícia de que haviam morrido dois.

Daí a pouco, todos saíram, contando sua história particular, e como teria evitado tal acidente, porquê sim, todos já tinham a resposta para tudo.

Mas resolveram sair aos poucos, porque afinal a vida continuava, junto com as contas.

Só ficaram os que realmente teriam que, de algum jeito, resolver o problema que tinha se instalado.

Passou-se aí um quarto de um dia completo, massante, extenuante.

A polícia ainda não tinha por completo ciência do que realmente havia acontecido, nem seus motivos, nem seus mortos, se conheciam.

Do outro lado da cidade, uma senhora se preocupava com seu neto.

Ele havia saído com uns amigos, iria se divertir, mas o rapaz disse que voltaria naquele dia sem falta, pois tinha prova na faculdade dia seguinte e por isso teria que voltar, disse.

Houve nova apuração, uma recontagem dos destroços mostrava que a conta de mortos estava errada, e que haviam mais dois, totalizando quatro.

Um repórter, de um jornal sensacionalista, que por dentro - e ninguém poderia descobrir isso - gostou do acontecido, pois vivia deles, mas não estava muito feliz porquê manchete boa, para ele, tinha que ter algum famoso, aí a notícia bombava dias, e ele passava a semana só naquele assunto, era ótimo porquê tinha ibope e matéria garantidas, sem ter que efetivamente trabalhar muito pra isso, já reportagens pequenas como essas, duravam apenas um, no máximo dois dias.

Foi atrás de saber quem tinha perdido a vida naquele passeio, quem era sua família, qual era sua história, afinal ele precisava apresentar algo, uma novela (como dizia), já que falar do acidente em si, todos falavam, precisava de algo a mais, precisava de uma novidade.

Ouviu um "zumzumzum" de que parecia que o filho de alguém importante estava no acontecido, parece que como os outros, tinha morrido, parecia ser um jovem, bem apessoado, de família abastada.

Os policiais, depois de longa investigação sobre quem era a vítima mais recentemente descoberta, sentenciou: "é o filho do vereador Epaminondas.

Confirmado.

Uma avó, senhora de alta classe, chorava copiosamente enquanto ouvia, pela televisão, a nova descoberta.

Quando chamaram ao telefone da doce senhora, ela se pôs a informar que já sabia. Do outro lado da linha, uma voz - quase feliz- , pedia uma exclusiva, afinal o Brasil precisava conhecer o filho, o neto e a grande pessoa que se retirava da vida, tão bruscamente.

O repórter, finalmente tinha matéria para umas boas semanas, se soubesse extrair cada pormenor, estava pois com seu ibope garantido.

O rapaz, o mais novo exemplo da nova sociedade agora, era pouco mais de um moleque e fazia as coisas normais da idade, nada de espetacular, nada que merecesse maior atenção, era até bastante teimoso e dado a só fazer o que bem entendesse, e sabia o que não queria (como o pai tanto pedia), ingressar na política, não era pra ele.

Com o novo fato, o da morte, a notícia cresceu, exponencialmente, tomando agora, ares de luto resplandescente, um luto de uma celebridade que iria fazer falta àquela sofrida população.

Aquele repórter tinha enfim sua famosa vítima, e a trabalhou tanto, que até quem não o conhecia, já o tinha como ídolo, e muitos por isso, até começaram a pensar em entrar para a política.



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