sábado, 2 de fevereiro de 2008

Segunda-feira

Era uma segunda-feira.
Cansado aquele segurança já pegava a sua segunda condução.
Ia voltar pra casa... E ainda era quase seis da manhã.
A alegria dele era saber que iria chegar em casa, encontrar a esposa e filhas, tomar café com elas e dormir o sono dos justus, até pegar o outro serviço, no shopping ao meio-dia.
O sono estava tomando conta dele, talvez pelo fato de guardar um banco durante horas a fio...só olhando, vigiando, atento... em pé... talvez porque depois ele teria outra jornada.
Ele bem que gostaria que não fosse assim, mas com duas filhas pequenas, a mulher desempregada, ele não poderia se dar ao luxo de dormir, ele era como um tubarão, como gostava de dizer, não poderia parar de nadar, ou afundadria e morreria.
O metrô já estava começando lotar, ele se sentou, tomando o cuidado de não se sentar em nelhum banco demarcado para casos especiais, sentou então na parte do banco perto da janela, longe do corredor e da confusão,onde aliás sempre sentava, como só ia descer na última estação, podia dormir um pouco...
Enfim, adormeceu.
Fato aliás muito corriqueiro, em uma cidade que não pára um minuto sequer, onde poucos dormem pouco e muitos praticamente não dormem, é de fato uma cena corriqueira e comum, não fosse ele ter dormido com os pés na cadeira da frente.
O vagão ia enchendo...
Um senhor entra brigando e esbravejando com um garoto, dizendo que tinha sido empurrado por ele, depois de algum nervosismo, a confusão logo é resolvida, mas aquele mesmo senhor muda a expressão de novo quando vai se sentar e se depara com os pés de um dorminhoco. Ele grita, esbraveja; o homem abre os olhos, furioso por ter acordado, só sua mulher conseguia fazer tal ação sem ter maiores conseqüências, ele respirou fundo, se arrumou na cadeira e tirou os pés do banco. Aquele senhor meio vermelhudo e com cara de quem está zangado com a vida e mais alguém, finalmente pôde descansar seu esqueleto já cansado de tanta vida (como ele gostava tanto de mencionar), mas ainda ralhou qualquer coisa inaldível.
Ainda faltavam sete estações, então ele se pôs a dormir, que naquele momento era o melhor que ele fazia.
O vagão foi enchendo.
Lá pela décima segunda estação, entrou outra legião de pessoas apressadas, e querendo sair logo, no meio dessa gente, uma moça carregando uma barriga que parecia que ia dar a luz a qualquer momento, olhou... olhou e nada, nehum lugar que já não estivesse ocupado por quem de direito, ela estava cansada de tanto andar, com uma sacola cheia de coisas, pesada tanto quanto sua barriga, quando viu aquele cidadão dormindo, ou quem sabe, até mesmo fingindo dormir para não sair dali, ela jogou todo o peso daquela sacola enorme naquela canela, que sentiu uma de suas maiores dores. Um caso de engenharia, o fato de estando ele na cadeira da janela, ela ter conseguido atingi-lo, mas pessoas com intensões fortes, são capazes das mais audazes ações, não sem ajuda é claro.
O homem abriu os olhos, não com raiva, mas com ira...ódio, pela segunda vez o acordaram, levantou os olhos, vermelhos de sono e ia se levantar, afinal ele podia aguentar o resto da viagem a pé, só faltavam três estações para finalmente ver sua esposa, filhas... o café... o sono até ao meio-dia!...
Muito solenemente fez o movimento típico de quem ia se levantar, mas caiu uma moeda que ele foi claro, pegar, para facilitar esse trabalho permaneceu sentado.
A mulher grávida e com raiva olhou aquela cena de falta de respeito, não agüentou, gritou, esbravejou, ironizou, insultou sua mãe...
Ele olhou calado.
Pegou naquele braço cansado de tanto ter carregado aquela sacola, pegou mais forte do que ela podia suportar, e pediu educadamente em voz suave, que não falasse mal de sua mãe, que isso ele não podia agüentar, jogou o braço dela, explicou que só foi pegar uma moeda que tinha caído, que já ia se levantar, ela não acreditou, continuou falando, agora ironizando novamente o cidadão, o senhor que estava do lado, se levantou oferecendo o lugar que era já demarcado, a mulher negou, furiosa, disse que aquilo já não era mais questão de lugar, era questão de respeito, e falta de respeito era coisa que não podia aceitar, e que ele tinha que aprender...
A confusão foi aumentando, e todos concordavam com o que ela dizia, sem saber a exata dimensão das coisas, e agora todo o vagão falava, todo o vagão brigava sem saber exato o porquê, ela ficou animada, continuou falando, e o homem que ia se levantar, continuou sentado.
Ficou calado.
Ouvindo o que a mulher dizia...Os olhos dele ficavam mais vermelhos, mas não era mais de sono, agora era raiva, ódio, e ela ia falando...Em certo momento ela percebeu a aliança na mão esquerda e num jogo astuto, colocou sua esposa, como vítima, e ele na condição de carrasco, batia na mulher e sabe-se lá quantas atrocidades mais, e que os filhos dele, se tivesse, deveriam ser todos revoltados,e que tinha uma evidência de todos esses mal-tratos, bastava olhar pros olhos dele.
Todos concordavam, a confusão já estava generalizada, não se sabia quem tinha começado o quê, o que se sabia era que seja lá o que fosse, ele com certeza aquele sujeito era o culpado, e ela continuava, apoiada por aquele senhor vermelhudo e cansado de tanta vida.
Ela continuou a contar (na versão dela) a história da vida dele, da mulher...
As ofensas foram crescendo em relação à mulher dele... a família dela...
E o passageiro lá... Sentado... Só olhando...Em silêncio.
Do vagão vizinho ouve-se um tiro....
Súbito um silêncio.
Silêncio pesado, mórbido, durante eternos segundos.
Logo em seguida, todos afoitos querendo saber o que tinha havido, todos falavam, muitos gritavam, alguns até desmaiaram. Cai uma senhora e sua enorme barriga...Outro silêncio...Fato que teve seu império por alguns poucos segundos, e todos viram um garoto que há algumas estações atrás tinha sido acusado de empurrar um simpático velhinho, estava caído, e todo o sangue de sua existência vertendo dele, aquela mulher acordou, levantou-se devagar, finalmente se calou.
Assustada com aquele cidadão e por estar ainda viva... olhou para ele, sabia que aquilo era pra ela, olhou para o chão e sem que ninguém visse suspirou fundo, quase como um sorriso...
Não distante, todo o absurdo do mundo pousou como avião sem freios nos olhos daquele senhor, que por um instante olhou pra cima, e agradeceu a Deus a dádiva concedida.
Uma arma, fumegante, olhava para o garoto, sem nenhuma admiração, talvez porque isso seja comum para uma arma, o homem olhava com olhar petrificado para o garoto, sem forças nas mãos como também em todo corpo, deixou a arma cair, caindo ele em seguida de joelhos, olhou pra cima, viu a mulher, o senhor, todos dali. Os passageiros sabiam do que acabaram de escapar, e sentiam a imensa alegria de estar ali, vivos, por mais um dia... Uma grávida, muda pelo momento, soltou toda a voz que tinha em sua garganta num grito estridente e confuso, que, como em uma sinfonia, foi seguido de outros, amedrontados... e outro, e outro...
Alguém puxou a alavanca para parar o trem....Nada é dito nos fones espalhados no teto do metrô, mas percebe-se até pela vibração do solo os movimentos dos guardas do metrô, estavam a caminho.
A uma estação da que ele ia descer, o vagão parou, os guardas, em grande alvoroço vieram, a mulher disse que ele tinha dado vários tiros no garoto, a verdade, foi um só, mas talvez ela estivesse nervosa e tivesse perdido a conta, talvez todos daquele vagão estivessem nervosos, porque todos, ouviram vários disparos, até mesmo aquele senhor, mas vários disparos ou um só, não fazia muita diferença, o fato era o próprio fato em si, e nada poderia mudar isso.Para aquele trabalhador, que ia voltando para sua casa, num momento longo, tudo ficou mudo, ele via gestos, adivinhava falas, mas não ouvia nada, só pensava, só lembrava, enquanto era levado pelos seguranças que o levavam como se ele tivesse em si uma bomba, ele não olhava para ninguém, não falava, não chorava, só pensava... Uma esposa, esperava o marido, que já deveria ter chego a uma hora, com certeza, era a tão anunciada operação tartaruga que os funcionários do metrô tencionavam fazer, esperou então despreocupada, e arrumando uma das meninas pra escola....Assim, só pra saber se era mesmo por culpa do metrô o atrazo do marido, ligou a televisão, enquanto penteava o cabelo da menina...
Uma criança de mais ou menos 5 anos, acorda com um grito desesperado de uma mãe...
Ela tinha acabado de descobrir pelo jornal, que naquela manhã pesada de segunda-feira, ela não precisaria fazer o café tão cedo.
Que aliás, não precisaria fazer o café da manhã tão cedo, por muitas segundas-feiras.

FIM

Um comentário:

Simone brito disse...

Olá Patrícia, parabéns por este conto, muito bom, refletiu bastante a realidade dos Paulistas, pois em um momento em que estamos resistindo á tudo, as vezes nem pensamos nas atitudes que tomamos que pode acabar com uma segunda-feira, ou todas as segunda-feiras de nossas vidas. Bjs