sexta-feira, 11 de julho de 2008

Quase um casamento

Sexta de manhã... de sol... ela estava apreensiva, nervosa, parecia que ia ter sua primeira entrevista de emprego, ou sua primeira vez com o primeiro namorado, mas não, estava só indo ver como ficou seu vestido, o problema é que não era um vestido qualquer, tinha sido feito sob medida, importado de outro estado, copiado sem o mínimo pudor de uma destas revistas especializadas nestes vestidos, a única alteração permitida foi umas flores na barra, era essa a sua dúvida...se tinham ficado boas... afinal tudo tinha que ser perfeito... não era um vestido comum...era um todo branco, como convém aos de noiva.
Ele estava naquela loja, totalmente sem saber como falar, se aproximou da recepcionista, dessas bonitas, que não se sabe como, mas parece que não se desarrumam nem pra dormir, ela lhe deu um sorriso administrativo, e apontou um lugar onde ele pudesse se sentar e esperar, ofereceu um café, que ele aceitou, apesar do frio, sentia calor, muito calor, mesmo com 18 graus, o nervoso lhe subia a temperatura de um modo, que o fazia imperceptível a baixas temperaturas, e não era à toa que estava tão nervoso... era um emprego que estava em jogo, estava cansado de receber a mesma resposta, “ligaremos assim que soubermos da resposta”, ele sabia que isso era igual à promessa que ele mesmo fazia as moças que conhecia numa balada, nunca ligava no dia seguinte.
Ela estava apreensiva, será que tinha ficado bonito, e se tinha ficado bonito, será que combinaria com ela, e se tinha combinado, será que os convidados iriam achar maravilhoso, se perguntava.
Aceitou aquele café tão docemente oferecido pelo aprendiz de estilista que ali estava querendo ele ter desdenhando tão efusivo modelo, que como gostava de dizer, estava “estrondoso”. Enquanto tomava o café feito na hora, com a fumaça que se alongava parecendo até uma modelo de passarela, tão frívola e irreal que era, a dona da loja, ia pegar o tal vestido tão esperado, ia devagar parecendo fazer de propósito, para aumentar mais ainda sua ansiedade, que aquela altura, já tomava formas de angústia, ia ela devagar, mas não porque era uma senhora malvada, com um sorriso maligno de canto, como sorrateiramente pensava a jovem, é que ela era uma senhora, que apesar de ainda na flor dos seus 50 anos, bonita e com corpo de quarenta e alguns anos, longilínea como toda boa modelo, que alías era um passado que gostava de ressaltar, tinha a pouco sofrido uma operação, por “qualquer problema do joelho”, como dizia sem entrar muito em detalhes, pois toda vez que se lembrava disso, lembrava que seu tempo estava passando, rápido, enquanto ela ia lentamente, mas apesar de tudo estava feliz, era uma boa venda, um vestido assim não era barato.
Mas afinal o que é um vestido caro, diante de uma jovem no calor de seu mais belo sonho, o casamento, sonho aliás que aquela ex-modelo não tinha podido viver, um sonho que se foi, para outra cidade, por conta de um projeto, com outra família, sem ela.
Curiosamante ela se lembrava disso, assim como uma dor pequena, que quase não se sente, mas que sempre incomoda.
Ia lá subindo aos poucos os degraus, tendo ao fundo uma moça levantando os olhos a medida que ela subia, estava ali, crucificando aquela jovem senhora por não andar mais rápido, afinal era o vestido dela que estava ali, não era qualquer um... era pra estar tão anciosa quanto ela própria.
Metido num terno, desses da moda, todo sorridente, como todo bom vendedor de concessionária, estendeu a mão e prontamente ofereceu-se para avaliar o currículo, lendo cautelosamente, todos os pormenores, pontos, vírgulas, conferia até a foto, que parece agora índice indispensável em qualquer currículo, com isso parece se resolver qualquer dilema que possa ser delicado.
Aquele rapaz falava pausadamente, escolhendo as palavras com cuidado, como se estivesse numa prova de gramática, que até tinha certo domínio, mas nervoso, ninguém domina bem nada, ia então falando devagar, lembrou no meio do discurso, que leu em algum lugar, que os chefes gostavam de pessoas com senso de humor apurado, contou uma piada leve e apropriada para a ocasião, mas talvez fosse leve demais, pois tudo que conseguira foi um sorriso falso dado de lado pelo leitor do currículo, o que o deixou ainda mais nervoso, foi quando pediu um copo d´água, e teve aquela visão fabulosa novamente, com aquele sorriso administrativo colado em seus lábios de cereja.
“Será que se eu comprasse a vista o carro mais caro daqui, e a convidasse para sair, ela iria dar esse o sorriso pra mim”, pensava ele, mal sabendo que ela já tinha compromisso depois dali, ia sair com a “melhor amiga dela” como dizia, aos colegas.
E lá veio aquela mão estendida, “novamente”, pensou... “nada por enquanto”, estava tão enfurnado nesse pensamento que quando ouviu os parabéns, apenas disse obrigado e se levantou, foi chamado a atenção
“Sabe a que horas você deve começar”?
Foi aí que percebeu, finalmente estava empregado, mas não podia dar pulos efusivos depois de tão sucinto obrigado, apenas disse como quem esquece um casaco, ah, é... as nove não é?
Com a justa correção, lhe foi explicado que todos os vendedores teen que estar uma hora antes, ele agradeceu novamente, mas desta vez como quem ganha um presente, voltou pra casa, em um ônibus que parecia adorar andar se chacoalhando todo, ia pensando que finalmente iria limpar o nome, pensava com um sorriso que uma jovem dá quando vê seu primeiro amor, ia finalmente pagar uns atrazados e resolver as pendências do bar, iria demorar um pouco, mas não queria pensar nisso, queria contar a novidade para seu amigo, e comemorar, afinal os tempos de vacas magras tinham terminado, saiu, agora feliz tanto quanto se pode estar, sabendo que no dia seguinte há que se acordar cedo para sorrir falsamente para clientes ricos comprarem, e clientes pobres negociarem e por fim, só no final do mês receber uma quantia aquém do esforço realizado e mais curta ainda para o mês, mas estava feliz e foi ao amigo, que como trabalhava a noite, sabia que estava em casa e provavelmente, no começo da tarde, acordando e procurando algo pra comer, decidiu comprar algo para comerem, já que também estava sentindo alguma fome.
Claro que sua mãe estava lá, não poderia perder nunca este momento tão mãe e filha que se pode ter, a escolha do seu vestido de casamento, estava ali, toda dentro de um pretinho básico, revelando com polidez as curvas de que se pode ter uma mulher na flor dos seus 45 anos, porém saudável e esbanjando rigidez muscular, as custas de muita malhação e caminhadas, que odiava fazer, mas sabia que isso iria contribuir para que sua beleza da juventude não se perdesse na sua fase mais madura... seu marido, nem se preocupava tanto, mas ela também não se preocupava mais tanto com o marido, afinal ele já tinha lhe dado uma boa casa, uma boa vida, uma filha, apesar de não ter sido idéia dela, mas afinal se acostumou ao título honroso de mãe, ela estava apreensiva pelos mesmos motivos de sua filha, mas ia além, afinal era um casamento de poderio monetário também com a família dele, um casamento tão bem construído se perguntava se iria dar certo, pelo menos que sobrivivesse ao primeiro filho.
Enquanto ia, lembrava que enquanto esperava o seu futuro chefe, tinha visto um rapaz muito polido e sorridente, dizendo algo para a moça, ela o olhou, deu-lhe um sorriso bem menos administrativo e logo viu alguém o atendendo com muita polidez, parece ter ouvido falar em cadilac branco, embora não tenha visto nenhum, mas não queria mais pensar nisso, ia ver seu amigo e aproveitar o último dia de vagabundisse como gostava de pensar.
Havia um tumulto qualquer, em frente a padaria que ele ia.
A polícia estava lá, e a situação não era fácil, afinal tinha uma senhora e seu vestido de primavera que eram reféns, presa somente pelo medo de um cano ainda quente de uma arma, todos sentiam estar assistindo um filme de ação.
Uma padaria lotada, logo sendo esvaziada aos tropeções, o resto do comando policial chegando, alguém tinha lembrado de registrar tudo pelo celular, um outro de ligar diretamente para uma emissora de tv, que parecia estar do lado, só esperando acontecer a ação, tão logo apareceu.
A polícia estava naquele momento sem ação, esperando o melhor momento para atacar, não seria tão difícil, afinal o criminoso estava nervoso, iria cometer um erro fatal a qualquer momento, via-se que não estava acostumado ao acontecido, era só um assalto que tinha dado errado, e que por isso tinha matado um cidadão, por isso ele estava com uma refém, na flor dos seus 60 anos, para negociar.
Acenou um homem de farda, demonstrando toda a segurança que não tinha, as pessoas que ainda estavam lá para sair, mas os curiosos tinham fechado inconscientemente a saída da padaria.
A ação estava suspensa, como se fica quando se mergulha sem equipamento e se fica sem ar, inerte, nada se ouve abaixo das águas, mas a pressão é constante.
A polícia tentava abrir, com consentimento do meliante, espaço para os não envolvidos poderem voltarem as suas casas sãos e salvos, com isso ele poderia ter uma pena mais abrandada, conseguiram um primeito passo pra uma negociação.
Enfim, padaria só com os dois, senhora e meliante.
Mas claro, que não voltaram para suas casas, a curiosidade humana é incontrolável.
Por fim ele chegou, estava descendo as escadas, tão imponente que era, parecia estar descendo sozinho, por trás vinha uma jovem senhora, com um leve problema de joelho que o conduzia ao que parecia ser a jovem mais sorridente que existia, sorriso, que qualquer comercial de creme dental exploraria ao máximo.
A mãe se lembrou do próprio casamento, da inveja que encurtiu nas amigas, quando apareceu com aquele branco fabuloso, como falava sua amiga, naquela ocasião.
Houve uma explosão de aplausos, era como se um astro estivesse diante dos olhos daquela moça, o jovem aprendiz, chegou até a soltar uma lágrima solitária na pele escura e bem tratada que tinha, tão emiocionado que ficou, mas também não era para menos, a ex-modelo e atual dona da loja, estava explicando os pormenores do vestido.
Parecia que a essa altura só outra jovem senhora com um pretinho básico, ouvia.
Ele vinha com pedras, e flores levemente coloridas chovidas ao longo do vestido, bem delicadamente caindo por ele todo e parecia se fixando em toda a sua barra, que trazia uma saia bem rodada, digna dos de contos de fadas, e ostentava uma leve calda, tinha pedras parecidas com brilhantes, que se grudavam em todo o corpo do vestido se fixando principalmente no decote ousado para uma noiva que deixava os ombros nus, caindo maliciosamente pelo braço, Enfim tudo se havia resolvido, véu, vestido, e até sapatos... afinal tudo certo, estava levando uma caixa tão bonita quanto o próprio vestido.
Todos estavam nervosos.
Quem assistia, polícia, transeuntes, repórteres, todos, o homem parecia agora um louco, disse que queria um carro para poder fugir, era aquele momento que se tem quando se está embaixo dágua, pressão constante.
Um rapaz achou mais prudente, ir a casa do seu amigo, e depois descer com tudo mais calmo, que não sabia quando seria, mas uma moça muito atraente, atraiu sua atenção, era uma repórter voraz, que percebeu que ele estava lá, e pediu a ele, com avidez nos olhos todas as informações, que ele não tinha com exatidão, as lacunas, como ele pôde perceber ela mesma as preenchia, com uma emotividade digna de uma escritora, parecia quase feliz por tão plena ação estar acontecendo ali.
Alegre, aquela moça chegou em casa, saltitante, sonhava já com a semana seguinte, tudo pronto, cabaleireiro, massagem, ofurô, tratamento de pele, tudo a que tinha direito uma noiva.
Pediram aquela doce empregada um suco, a mãe que queria ver as noticias, resolveu ir ao seu quarto ligar a tv, enquanto a filha ficou lá na cozinha, vendo por acaso o mesmo canal, mas não assisitindo nada, estava tentando invejar a empregada que a olhava com olhos de criança deslumbrada a sua história, sua mãe, enquanto esperava o suco e se trocava, via uma senhora com muitos quilos a mais, com vestido perdido em muitas flores, colorido demais para a ocasião, a tv mostrou um rapaz, suando frio, disse ele que tudo o que viu.
De repente uma moça pálida e sem forças, despenca de uma cadeira, sem voz, sem ouvidos, parecia até mesmo sem alma, a empregada lhe trouxe água com açúcar, uma mãe desesperada desce os degraus da escada daquela casa com a rapidez de quem foge de um incêndio.
Havia um vestido caído no chão, servindo de colchão para uma jovem em total desespero, sem ação, olhando vitralmente o mundo dela todo cair em um único instante.
Ele sempre fazia aquele caminho, em frente aquela padaria, costumava até comprar uns sonhos que dizia ali seriam os melhores, naquele dia, estava se vangloriando com um amigo, que tinha convidado para almoçar, para comemorar o negócio que tinha acabado de fechar, um audi branco que havia comprado, e lembrava da “delícia” que o atendera, até sentia um certo prazer ao se lembrar dela, depois lembrava que era noivo, e tentava se acalmar, nem sempre com êxito, afinal ela era mesmo maravilhosa.
Havia uma noiva em cima de um vestido, perdido, uma mãe em prantos, um rapaz falando sem parar do que viveu ali na padaria, uma senhora, com quase 99 de pressão arterial, um rapaz que acabava de acordar que morava ali perto, e que ia receber uma visita, e um morto, perdido em seus sonhos com uma recepcionista, e um casamento que não queria, um meliante, que como um deus, conduzia todos os bonecos daquela cena.
Houve uma invasão de uma padaria, um tiro, um corpo caiu pesado, um rapaz que concedia uma entrevista, acertado com uma bala perdida, não se sabe se legal ou ilegal, no chão, uma repórter assustada, mas registrando o infortúnio, já saindo de perto, outros tiros, um meliante finalmente atingido e preso, uma senhora liberta, indo para um hospital perto dali, junto com um infeliz rapaz.
Aquele rapaz, atingido, pensou no seu amigo, nos pães que não comprou, no emprego ainda cheirando a fresco, na moça de sorriso administrativo, tudo vinha rodando em sua cabeça em um espiral, que se pudesse ser visto, seria até bonito, pela mistura das cores de cada momento.
Havia, apesar do sol, um inverno dentro de todos que continuavam ali, agora tentando voltar para suas casas, e para suas vidas.
Tudo o que descobriram é que um jovem rapaz que parecia ter reagido a um assalto, tinha morrido, haviam descoberto a identidade dele, e que que ia se casar dali a alguns dias.
Agora, perdido em sangue.
A polícia, fazendo seu trabalho, tentando arrumar a confusão, os repórteres fazendo o seu, entrevistando e coletando informações e repassando da forma mais emotiva possível.
Uma empregada, bebendo ela a água com açucar, uma mãe, tentando em vão acudr a filha, que já não tinha mais como acudir... e uma noiva... hirta, sem nada pra pensar, nem fazer.
Um salão que sabia teria vários serviços, de uma única cliente, seria cancelado... e um padre, que sabia, não ia mais casar ninguém, naquele dia!

Um comentário:

Amanda B Ansaldo disse...

Oi Patricia!
Vi sua pergunta no nosso blog. Normalmente os spas a bordo são terceirizados (Canyon Ranch no Quen Mary 2 e como era o Loccitane no "falecido" Island Star) então para trabalhar a bordo nesses lugares vc precisa procurar as empresas administradoras dos espaços. Vamos tentar, ainda essa semana, escrever sobre o assunto no Alto Mar.
Até Mais!!!